por Ricardo Avelino.

 

Uma das tarefas mais comuns do perito que atua em processos judiciais ou procedimentos arbitrais é o cálculo do valor de uma empresa objeto de algum litígio. Isso ocorre em casos envolvendo compra, venda, fusão, cisão, incorporação, liquidação, etc.

Do ponto de vista estritamente técnico, não há um método de cálculo que se possa afirmar seja preferível a qualquer outro dentre os inúmeros que há para avaliação de empresas. Cada método considera aspectos diferentes da questão e chega a resultados em geral distintos, o que dificulta em muito a tarefa do julgador – juiz ou árbitro – de decidir qual o justo valor a ser considerado para o deslinde do caso.

A melhor maneira de se enfrentar essa dificuldade inerente à avaliação de empresas é realizar vários cálculos, usando diferentes métodos, o que resultaria em um intervalo de valores dentro do qual o valor justo deve estar.

Esse cuidado técnico – definir um intervalo de valores para o valor justo – não exclui a necessidade do perito avaliar também qualitativamente a utilização de cada método. Isso porque pode haver elementos específicos no caso que indiquem alguma superioridade de uma metodologia em relação às demais. Somente uma análise qualitativa aprofundada dos fatos e do histórico da lide pode revelar se deve ser registrado uma indicação de preferência por um determinado método de avaliação.

Embora cada modelo apresente algum grau de especificidade, os métodos de avaliação de empresas podem, grosso modo, ser agrupados em três categorias:

  • I – Modelos baseados em fluxo de caixa
  • II – Modelos de avaliação relativa (múltiplos)
  • III – Modelos baseados no balanço patrimonial

Vejamos as principais características de cada uma dessas famílias de modelos:

 

I – Modelos baseados em fluxo de caixa

Conforme Damodaran (2007)¹, o modelo geral de fluxo de caixa descontado (FCD) considera que o valor de uma empresa é dado pelo valor presente dos fluxos de caixa a serem gerados por esse ativo. A lógica subjacente a estes modelos é apresentar uma estimativa da efetiva capacidade de geração de riqueza do ativo avaliado, projetando fluxos de caixa operacionais futuros e trazendo-os a valor presente a uma taxa que mensure o risco desses fluxos e o custo de oportunidade dos capitais investidos.

Esquematicamente, o modelo de FCD pode ser representado pela equação abaixo, em que CFi, i = 1,…,n, corresponde ao fluxo de caixa líquido gerado pela empresa no i-ésimo período, k representa a taxa de desconto apropriada para o risco desse fluxo de caixa e Vr representa o valor residual da empresa no período n:

É precisamente na elaboração de premissas sobre o comportamento das variáveis identificadas na equação acima que se concentra o foco para a estruturação de um modelo de FCD.

Para a determinação do fluxo de caixa líquido é necessário que se faça a distinção entre os dois tipos de fluxo de caixa mais comumente utilizados: o fluxo de caixa livre para a empresa (company free cash flow) e o fluxo de caixa para os acionistas (equity cash flow).

O modelo de fluxo de caixa livre utiliza o fluxo de caixa operacional, que é o fluxo de caixa gerado pelas operações normais da empresa, desconsiderando empréstimos. Esse fluxo, estimado a partir da projeção das demonstrações financeiras, representa os lucros operacionais da empresa, após o pagamento de impostos, com o acréscimo de despesas que não geram saídas de caixa (como a depreciação), a dedução dos investimentos em bens de capital (capital expenditure – CAPEX) e a variação de capital de giro líquido (dado pela diferença entre o ativo circulante e o passivo circulante em determinado período).

Nos modelos de equity cash flow, o fluxo de caixa é calculado pela subtração dos juros líquidos e amortização de empréstimos do fluxo de caixa livre. Esse tipo de fluxo de caixa presume a existência de uma estrutura financeira mínima para cada período, em que o principal e os juros sobre financiamentos existentes são pagos nas datas de vencimento e os recursos de novos empréstimos ou financiamentos são recebidos.

O período de projeção indica o tempo em que o fluxo de caixa deverá ser projetado, horizonte de tempo durante o qual se conseguirá prever o comportamento das principais variáveis relacionadas aos ganhos e perdas operacionais.

A taxa de desconto é a taxa pela qual os fluxos de caixa serão descontados e trazidos a valor presente, refletindo da melhor maneira o custo de oportunidade e riscos dos fluxos de caixa e, assim, dependerá do modelo de fluxo de caixa utilizado. No caso da utilização do equity cash flow, por exemplo, a taxa a ser usada é a que reflete o retorno desejado sobre o patrimônio líquido. Já no caso do fluxo de caixa livre a taxa a ser utilizada é a que representa o custo médio ponderado de capital (WACC na sigla em inglês).

Por fim, o valor residual indica os fluxos de caixa não cobertos ao término do período de projeção. Esta será uma estimativa de valor presente que será calculada com base na expectativa de crescimento perpétuo que terá o fluxo de caixa livre da empresa a partir do último período de projeção.

A avaliação de FCD é, assim, uma metodologia que estima o valor da empresa a partir de, basicamente, três variáveis: sua capacidade de gerar fluxos de caixa, o crescimento esperado desses fluxos de caixa e a incerteza associada a eles.

 

II – Modelos de avaliação relativa (múltiplos)

Os modelos de avaliação relativa, por sua vez, também conhecidos como avaliação por múltiplos, têm por objetivo precificar um ativo comparando-o com o valor de mercado de ativos similares. A avaliação por múltiplos assume que o valor de uma empresa pode ser determinado em função de múltiplos de preço ou de valor de empresas semelhantes, e está fundamentada na hipótese de que o mercado é um mecanismo eficiente de precificação.

Os modelos de avaliação relativa encontram grande aceitação no mundo corporativo em razão, sobretudo, do reduzido número de premissas explícitas que precisam ser assumidas para sua utilização, o que permite uma análise mais ágil do que quando se utilizam outras metodologias.

Sua utilização em exercícios de avaliação de empresas resume-se a encontrar uma “empresa comparável”, obter seus múltiplos e aplicá-los aos parâmetros da empresa analisada, obtendo uma estimativa do seu valor de mercado (MARTELANC; PASIN; CAVACALTE, 2005)².

Na medida em que não existem empresas idênticas, nem sempre é possível fazer a comparação direta entre múltiplos. Por isso, em regra, os analistas aplicam ajustes nos múltiplos encontrados, introduzindo fatores de aumento ou redução para o valor da empresa alvo, conforme suas características.

A seleção de uma “empresa comparável”, ou “semelhante”, consiste na identificação de uma empresa, ou conjunto de empresas, que pertença ao mesmo setor de atividade econômica ou indústria da empresa alvo e que apresente níveis parecidos de risco de fluxo de caixa, bem como desempenho razoavelmente próximo dos índices básicos de performance econômico-financeira da empresa alvo.

Definida a empresa semelhante, o passo seguinte consiste em normalizar seu valor de mercado em relação a um indicador comum, de modo que os preços de mercado das duas empresas sendo comparadas sejam confrontáveis. A normalização do preço é precisamente o cálculo do múltiplo.

O preço da ação de uma companhia, por exemplo, é função do valor de seu Patrimônio Líquido e do número de ações e, portanto, não pode ser utilizado na comparação direta de duas ou mais empresas. Por essa razão, o preço de mercado da ação de uma companhia é padronizado em relação a uma série de variáveis, resultando em múltiplo de lucros (dado pela razão preço/lucro por ação), de valor contábil (dado pela razão preço/valor patrimonial da ação), de vendas (dado pela razão preço/receita por ação) e de valor (dado pela razão preço/fluxo de caixa por ação), entre tantos outros possíveis.

A avaliação por múltiplos tem sido um método de avaliação amplamente utilizado no mundo corporativo, tanto pela agilidade de sua aplicação, como pelo consenso de que o mercado é um mecanismo eficiente de precificação.

 

III – Modelos baseados no balanço patrimonial

Já os modelos baseados no Balanço Patrimonial assumem que o valor de uma empresa corresponde a seu próprio patrimônio líquido (Book Value). Nesse sentido, esses modelos determinam o valor de uma empresa apenas de um ponto de vista estático, pois se baseiam unicamente nas informações do balanço contábil, no qual os ativos são contabilizados a seu custo histórico e não está refletido o valor de ativos intangíveis importantes como marcas, reputação, recursos humanos, etc.

O modelo do valor contábil (MVC), conhecido também como modelo de avaliação do valor contábil ou modelo de avaliação patrimonial contábil é o que mais conserva a informação contábil, pois não passa por nenhum ajuste ou adequação. Ele apresenta como valor da empresa o próprio valor do patrimônio líquido obtido pela diferença entre os ativos e passivos exigíveis, registrados no Balanço Patrimonial em observância aos princípios contábeis geralmente aceitos.

A facilidade de compreensão e de obtenção dos valores constituem-se nos pontos fortes deste modelo de avaliação.

Por outro lado, sua limitação reside no fato de que os valores dos ativos e passivos são baseados em seus custos históricos, não levando em conta fatores como inflação e obsolescência, e, por esta razão, podem divergir substancialmente de seus valores de mercado.

Ademais, existem ativos intangíveis valiosos como marcas, redes de relacionamentos, qualidade da carteira de clientes, recursos humanos e reputação da empresa, entre outros itens, que não estão refletidos no balanço da empresa.

Esse método pode ser utilizado na avaliação de empresas que não tenham seus ativos com valores contábeis e de mercado muito distintos, assim como valores significativos de goodwill.

O goodwill surge quando uma sociedade é capaz de gerar lucro operacional líquido acima do que possa ser considerado normal e explica a razão pela qual empresas ou negócios são às vezes adquiridos por um valor superior ao valor do patrimônio líquido.

Caso os ativos intangíveis da empresa sejam valiosos, é necessário que se façam ajustes no balanço para que o valor contábil se aproxime do valor de mercado. A forma de ajuste mais comum é reestimar os ativos da empresa pelos seus custos de reposição ou pelos seus valores de liquidação.

Quando se procedem a estes ajustes avaliatórios e se elabora a demonstração contábil com a finalidade de fixação do quantum do patrimônio líquido de determinada sociedade em uma data específica correspondente, por exemplo, à retirada ou exclusão de um sócio, o resultado desse ajuste é denominado Balanço de Determinação.

A partir do Balanço de Determinação, calcula-se o goodwill, necessário para a determinação do valor da sociedade avaliada, que é dado pela soma do valor do patrimônio líquido a preços de mercado e do goodwill:

Valor da Sociedade = Patrimônio Líquido a Preços de Mercado (PL) + Goodwill (G)

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Como se vê, há inúmeras diferenças nas premissas, informações, cálculos e projeções em cada um dos métodos de avaliação de empresas. Isso faz com que a tarefa de indicar o valor justo a ser considerado na decisão do juiz ou árbitro é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. E mais ainda: na avaliação de empresas em processos judiciais ou procedimentos arbitrais está se procurando o valor justo do ativo referido à questão jurídica em disputa na lide.

Conceitualmente, a tarefa do perito em apurar o valor de uma empresa a ser oferecido à consideração do juiz ou árbitro não é equivalente à de um analista financeiro em calcular um valor de referência para a concretização de um negócio – aquisição ou fusão de empresas, por exemplo. Nesse há apenas o interesse financeiro das partes envolvidas na transação. Na avaliação de empresas em processos judiciais ou procedimentos arbitrais há a busca pelo justo valor do ativo, referido a uma específica questão de direito e justiça.

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Referências:

1 –  DAMODARAN, A. (2007). Avaliação de empresas. 2ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall.

2 – MARTELANC, R.; PASIN, R.; CAVALCANTE, F. (2005). Avaliação de empresas: um guia para fusões e aquisições e gestão de valor. São Paulo: Pearson- Prentice Hall.

 

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