A capacidade do executivo, legislativo e judiciário brasileiros de intervirem nas atividades econômicas é um assombro. Desta vez foi a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que declarou ilegal a taxa de conveniência (TC) cobrada pelo Ingresso Rápido na venda online de entradas para shows, cinemas e etc.
Importante frisar que a decisão não afirmou que a TC é elevada/cara, mas que sua cobrança é uma prática ilegal em si, pois “configura venda casada e transferência indevida do risco da atividade comercial do fornecedor ao consumidor”, conforme press release disponível no site do Tribunal.
Sobre a transferência de risco comercial, de acordo com a ministra-relatora Nancy Andrighi, “a venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o [sic] lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo embutido no preço“.
Em termos estritamente técnicos, venda casada ocorre quando a compra de um bem ou serviço é condicionada à compra de outro bem ou serviço. No caso dos ingressos, o consumidor pode livremente optar por comprá-los presencialmente ou pela internet, pagando a TC.
É visível a contradição: venda casada só pode ocorrer quando há dois produtos distintos; se são distintos (para que possa ocorrer a venda casada), fica difícil afirmar que a venda online do ingresso é parte típica e essencial do negócio.
Um exemplo talvez ajude: uma pizzaria vende a “redonda” por “x” para consumo no estabelecimento ou retirada pelo cliente. O custo de comercialização do produto é arcado pelo estabelecimento e está embutido no preço. Mas o consumidor pode optar por comprar a pizza por aquele preço e recebê-la em casa, mediante o pagamento de uma taxa de entrega de “y”. Há um custo adicional de entrega, que decorre exclusivamente da decisão soberana do consumidor: “quero a pizza em casa”.
A menos que se diga que o custo de transporte da pizza é “real” e que o custo de comercialização de ingressos pela internet é “irreal”, não há diferença entre um caso e outro. Por outro lado, pode-se questionar o valor da TC (caro/elevado) ou a razão pela qual usualmente é um percentual do valor do ingresso e não um valor fixo (os custos incorridos pela Ingresso Rápido ou congêneres não guarda relação com o valor do ingresso). Mas, como já frisado, a decisão da 3ª Turma não tratou de questões como essas, pelo que consta do press release.
Equívocos acontecem e tendem a produzir resultados negativos. Não se pode garantir, mas é de se esperar que o preço cobrado pelos ingressos passe a embutir a TC (talvez sem desconto para aqueles que optam pela compra presencial), o que trataria uma ineficiência fiscal, que também deve ser repassada aos consumidores.
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