O Brasil é um país estranho, onde jabuti sobe em árvore. A façanha da vez está sendo patrocinada pelo Congresso Nacional, ao impor restrições à liberalização do mercado doméstico de transporte aéreo de passageiros. Vamos por partes.
Contamos hoje com quatro empresas, que somam 99% de participação de mercado. Como se sabe, uma delas, a Avianca, quebrou, o que suscita forte preocupação concorrencial, abordada pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade e comentada por nós aqui. Toda imprensa vem noticiando os aumentos de preços das passagens aéreas na esteira da crise da Avianca.
Neste contexto, tramitava no legislativo a Medida Provisória 863, de dezembro de 2018, que estabelecia o fim da restrição à participação de empresas estrangeiras (até 100% do capital) no transporte aéreo doméstico de passageiros.
Mas o Congresso, por meio do Projeto de Lei de Conversão 6/2019 da Medida Provisória, decidiu condicionar a atuação de empresas estrangeiras à operação de no mínimo 5% de seus voos em rotas regionais por pelo menos dois anos.
O DEE e a ANAC, em louvável esforço de advocacia da concorrência, manifestaram-se em contrário. Para o DEE, “ao se exigir que empresas interessadas em entrar no mercado brasileiro de transportes de passageiros operem, também, um percentual de rotas regionais pode-se estar dificultando a entrada de novas concorrentes em um mercado que carece de maior concorrência como é o caso do transporte aéreo em rotas nacionais e internacionais sem que se atinja o objetivo pretendido pela exigência, que seria fomentar a aviação regional e o crescimento econômico de regiões menos desenvolvidas”.
A natureza quelônia da decisão do Congresso é bastante evidente. Em nome de uma boa intenção, o desenvolvimento da aviação regional, que infelizmente está condicionado por fatores diversos (disponibilidade de infraestrutura e até mesmo de demanda), faz-se uma gambiarra para preservação da reserva de mercado, em detrimento dos interesses de um conjunto muito maior de consumidores.
Ou, em termos muito melhores, “quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e que não poucas vezes lhe sobrevivem?” (Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas).
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