Ricardo Vilella da Silva publicou excelente artigo sobre a jurisprudência recente do Cade acerca de condutas unilaterais (“A falácia das infrações por objeto e suas consequência para a persecução de condutas unilaterais”, em Revista de Defesa da Concorrência, 7(1), maio/2019). O artigo é denso, cabendo aqui apenas uma despretensiosa resenha e a recomendação de sua leitura.
Segundo o autor, a partir do famoso “caso SKF”, o tribunal do Cade vem construindo uma jurisprudência (analisada pela autor), que estabelece a “ilegalidade” de certas práticas a partir de suas próprias características (ou “por objeto”), independentemente da demonstração da possibilidade de produção de efeitos negativos para a concorrência e da consideração de eficiências compensatórias. Ainda de acordo com o autor, “as infrações por objeto são aquelas que têm como objetivo produzir quaisquer dos resultados elencados no artigo 36, §3º, da LDC” (p. 84), ou seja, a lista completa de todas as práticas possíveis e imagináveis.
Tudo tem uma explicação (nossa, no caso). O § 3º em referência diz que “as seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica”. Em uma leitura “abreviada”, o dispositivo pode ser interpretado como “as seguintes condutas caracterizam infração da ordem econômica”, esquecendo-se do miolo, que condiciona a infração à configuração das hipóteses previstas no caput do artigo e seus incisos: “I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante”.
O equívoco parece elementar demais (assim como nossa explicação), de forma que Ricardo Vilella da Silva vai além, identificando a falsa correspondência entre esta interpretação da lei de defesa da concorrência e a legislação da União Europeia e dos Estados Unidos. Fiquemos com a primeira comparação.
Para o autor, de acordo com o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), “a classificação de um ato ou prática como restritivo por objeto estabelece uma presunção absoluta acerca da produção de efeitos danosos à concorrência, cabendo às partes, para afastar a aplicação do artigo 101(1) do TFUE à sua conduta, demonstrar a geração de eficiências sob o artigo 101(3) da TFUE […] não se estabelece, nos atos restritivos por objeto, uma presunção absoluta de ilegalidade, mas sim uma presunção absoluta acerca da produção de danos à concorrência” (p. 87).
Interpretação corretíssima, que é complementada por outra: “a diferença primordial entre restrições por objeto e por efeitos, no direito comunitário europeu, está relacionada ao ônus probatório da parte acusadora com relação à demonstração de geração dos efeitos restritivos sobre a concorrência” (p. 92).
Simplificando um pouco, há práticas (como a fixação horizontal de preços ou restrições verticais) que podem ser consideradas infrações por objeto (o que significa presunção de danos à concorrência, mas não de ilegalidade da prática em si), cabendo às acusadas a demonstração de eficiências compensatórias. Essa definição é, inclusive, pedagógica: “não faça isso, a menos que tenha certeza de que pode justificar o ato com base em eficiências”.
Comentários:
Acesse o post do artigo no LinkedIn.