por Patrícia Avigni.

Antitrust is sexy again

Carl Shapiro1

O termo “Hipster Antitrust2 refere-se a um movimento iniciado nos Estados Unidos que prega a mudança de foco da lei concorrencial.3 Tradicionalmente, o Direito Concorrencial norte-americano segue duas vertentes. A primeira, representada pela Escola de Chicago, defende que os mercados funcionam melhor sem intervenção estatal e que o poder de mercado seria uma recompensa natural pela eficiência econômica. A segunda, representada pela Escola de Harvard, entende que o Estado deve intervir para evitar abusos do poder de mercado. O pensamento neoliberal da Escola de Chicago prevaleceu durante a década de 80 nos Estados Unidos, abrandando a política concorrencial que costumava ser mais rígida. Como resultado, as decisões antitruste passaram a ser mais flexíveis e as concentrações de mercado aumentaram exponencialmente, muitas vezes produzindo efeitos nefastos ao bem-estar econômico e social.

É nesse contexto que surgiu o movimento Hipster Antitrust. Os seus apoiadores defendem uma política concorrencial mais severa e intervencionista, a exemplo do que existia nos Estados Unidos na década de 70. É dessa época, por exemplo, a expressão “big is bad”, em que grandes empresas eram vistas com desconfiança em razão da sua natural inclinação ao abuso do poder de mercado. Esse retorno ao passado inspirou a adoção do termo “hipster”, normalmente associado ao resgate do estilo vintage na era moderna.

Os adeptos do movimento Hipster Antitrust reforçam a tese de que o poder de mercado é nocivo à sociedade porque aumenta a desigualdade social ao transferir a riqueza para as mãos de uma minoria privilegiada. A economia seria dominada por alguns gigantes corporativos que criariam indesejáveis pressões políticas antidemocráticas. Nesse cenário, uma abordagem exclusivamente econômica do antitruste não seria adequada. O exame concorrencial das operações e condutas não deveria limitar-se ao método tradicional de análise de preços, mas também levar em consideração outros elementos, como justiça, emprego, salários, desigualdade de renda etc.

Portanto, além do retorno à uma análise concorrencial mais rígida, os hipsters também enfatizavam a preocupação com o impacto social das grandes operações e a aplicação de regras específicas para o setor de alta tecnologia. De fato, o movimento tomou corpo após polêmicas envolvendo algumas decisões judiciais norte-americanas que aprovaram operações gigantescas (ex. AT&T – Time Warner) ou que absolveram condutas consideradas anticompetitivas (ex. Ohio x Amex).4

A clássica análise de preço não daria conta das preocupações antitrustes nesses mercados, onde há grande avanço na inovação tecnológica. A indústria de alta tecnologia estaria mais propensa a adotar práticas de preços predatórios ou estratégias de fechamento de mercado porque atua em inúmeros mercados nos quais não se cobra pela prestação do serviço (ex. Facebook), ou onde é possível desfrutar do poder de portfólio, venda casada ou subsídio cruzado. Na opinião de alguns hipsters, a lei antitruste deveria adotar uma presunção de ilegalidade e proibir determinadas operações por plataformas dominantes.5

Essas discussões chegaram ao Congresso norte-americano. Vários congressistas se apoiaram nos hipsters para levantar bandeiras consumeristas e sociais, discutindo o impacto do poder econômico sobre desigualdade racial e de gênero, desigualdade política e baixos salários. Os democratas apresentaram um conjunto de propostas para a adoção de novos padrões de análise antitruste (A Better Deal: Cracking Down on Corporate Monopolies6), dentre as quais destacam-se: (i) a presunção de ilegalidade para operações acima de US$ 5 bilhões, ou nas quais quaisquer das partes tenham mais de US$ 100 bilhões em ativos; (ii) a revisão de operações já aprovadas; (iii) a criação de um “defensor da concorrência do consumidor” que recomendaria investigações à Federal Trade Commission (FTC) e ao Department of Justice (DOJ).

A abordagem proposta pelo Hipster Antitrust começou a ser debatida no Brasil, porém de modo incipiente. Especialistas favoráveis ao movimento propõem que o CADE, o órgão antitruste brasileiro, tenha uma postura mais rigorosa em relação aos casos submetidos à análise concorrencial, sobretudo aqueles derivados de operações globais. Também entendem que o antitruste não pode ignorar o potencial de dano à sociedade decorrente de uma concentração econômica. Para os contrários ao pensamento hipster, há os que rejeitam qualquer tipo de intervenção estatal e existem os moderados. Estes últimos são favoráveis à alteração da metodologia de análise, porém advogam pela manutenção dos objetivos do antitruste que visam proteger o bem-estar do consumidor e a eficiência econômica.7

Ainda que o Brasil esteja acompanhando o tema à distância, a importância do movimento é indiscutível e poderá transformar o olhar concorrencial sobre questões do presente e do futuro. A exemplo de outras jurisdições, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência foi estruturado com base no modelo norte-americano e europeu. Cedo ou tarde, o que acontece lá chega aqui…


Referências:

  • 2 –   O termo “Hipster Antitrust” foi cunhado pelo advogado norte-americano Konstantin Medvedovsky em uma troca de mensagens pelo @Twitter com Joshua Wright, um ex-membro da Federal Trade Commission, a agência antitruste dos Estados Unidos. A hashtag #HipsterAntitrust foi mencionada em diversos discursos do senador americano Orrin Hatch e também se popularizou por intermédio do ex-comissário Joshua D. Wright. O movimento também foi chamado de “New Brandeis”, em referência ao ex-juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Louis Brandeis, que advertia sobre os perigos do poder de mercado das grandes empresas.
  • 4 –  Em junho de 2018, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a Amex poderia continuar obrigando os varejistas a não oferecer outros meios de pagamento aos consumidores. Na mesma ocasião, a Suprema Corte decidiu pela aprovação integral da operação entre AT&T e Time Warner, desconsiderando os argumentos do Departamento de Justiça norte-americano, que havia alertado sobre os riscos de aumento de preços e danos ao mercado decorrentes da operação.
  • 5 – Posição defendida por Lina Khan, Amazon’s Antitrust Paradox, no Yale Law Journal (2017)

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